terça-feira, 27 de maio de 2008

Do Ridículo

Excelentíssimo Senhor Doutor Examinador-Juiz da Traçinho Vara Bobalística da Comarca de Traçinho,







Sarah Cherrie, brasileira, solteira não mais por opção, contadora de bobagens e afins, vem, muitíssimo respeitosamente perante Vossa Excelência, por si mesma, apresentar sua DEMONSTRAÇÃO DE FATO RIDÍCULO em face do Exame de Ordem, pelos motivos que passa a expor:

I- Dos Fatos

Dia de Domingo de sol na gloriosa capital de Minas, Belo Horizonte. Manhã, pra mim, manhã bem cedo de um dia de domingo. Acordo, nervosa, pensando no que mais eu poderia dar uma "estudadinha" antes da fatídica prova. O estômago embrulhado sequer cogitava um pãozinho.

Na noite anterior havia arrumado caprichosamente a minha "malinha" (pequenininha, diga-se de passagem - tão pequenina que foi preciso um carrinho). Aquele monte de livros já estava me dando nos nervos! Resolvi guardar tudo, zelosamente, esperando com muito afinco que eles fossem a salvação da prova, afinal, obviamente, não deu tempo de estudar tudo. Nem pra viajar uma mala minha fica tão pesada, meu Deus!

Subi, vagarosamente, a ladeira da Fumec, aflita por descobrir logo qual era a bendita peça que eu teria que fazer nas próximas torturosas horas.

II - Do Ridículo

Cheguei à porta da faculdade e aquele aprumado de jovens estudantes, cada um mais desesperado do que o outro. Caras de sono, olheiras contundentes. Conversas ouvidas sem querer na espera aflita da abertura do portão:

"Pô, cara, mas e aí, e se cair isso, que peça que eu faço? É Carta Testemunhável, não é? Ihiii, tô perdido."
(...)
"Não, esse outro eu não estudei..."
(...)
"Nossa, há quanto tempo! Você tá ótima, hein? Mas, e aí, tem contato com alguém da turma?"
(...)
"Trouxe a coleção inteira do Venosa, e você?"
(...)
"Preciso passar nesse Exame, menina, senão nem sei..."
(...)
"Vou tomar as cervejas do mês inteiro depois dessa prova!"

Era jovem pra falar chega!

E as malinhas? Eis o mais ridículo, que fazia degladiar-me de riso interno, sozinha.

Cada um com sua leve malinha... era cada uma maior do que a outra! Malas de viagem pra Europa em época de frio, e de um mês! Cada um puxando a sua mala de rodinhas: se debatendo umas com as outras, atropelando pés alheios, numa situação sem espaço. Era desajeito pra um lado, desajeito pro outro. A mala que virava, a outra que caia, meninas sem saber o que faziam com tanto peso, namorados dedicados carregando mala até a porta da sala. Rapazes mostrando toda a sua força subindo três lances de escada com a mala num braço, e a da amiga no outro. Devem ter ficado é com dor no braço, isso sim.

Fila gigantesca pro elevador, INSS. O espaço não era bem distribuído entre malas e pessoas. Elas ganhavam a maior parte. Também, pudera! Quem observava a cena de fora, até poderia imaginar que aqueles jovens passaram noites em claro, cervejas que não chegavam, telefonemas não atendidos, tempo em família ausente, tudo em prol do grande dia. E estavámos todos ali, na mesma situação, nervosos, aflitos, se perguntando se ia dar certo.

Quando, finalmente, cheguei na sala que me foi destinada, putz, bati na testa e me lembrei que tinha esquecido de acender a vela pro anjo da guarda! Barrinhas de cereal, suquinhos, chocolates, um crec-crec danado dentro de sala. Dores fora de hora, de barriga, de cabeça, de ouvido. Cada um a seu jeito, expressando a tensão e a expectativa de, enfim, se tornar advogado. Sonho esperado.

III - Da Conclusão

A conclusão é que, embora extremamente ridícula a situação, com todo mundo fingindo pra si mesmo que aquilo era a coisa mais normal do mundo, de muito estresse emocional, muito peso carregado, de bate-bate de malas, e muitas horas de estudo, no final, é gratificante ver que você acertou a peça. Embora os neurônios saíam doendo, a cerveja de depois é mais refrescante que as demais. Agora, é esperar pra ver o tão sonhado resultado. E, se Deus quiser, a aprovação de titular da carteira vermelha: Advogado. Amém.

Posto isso, requer muito ao Examinador passar na prova da OAB.
Termos em que,
Pede e espera deferimento, ansiosamente.

Belo Horizonte, 26 de maio de 2008.

Advogada, se Deus quiser, em breve.

4 comentários:

Anônimo disse...

Amiga ficou ótima essa petição.
kkkkkk
tenho certeza q o "ridiculo" da malinha valera a pena.
saudades....
bjs

Unknown disse...

Saroka,
Adorei a petição e faço minhas as suas oportunas palavras. Se você não passa com a prova de domingo, passaria com esta petição... Muito boa a descrição e a criatividade.
Saudade de tu, Nêguinha. Vê se não some. Ah! E gostei de termos tomado uma no final da prova. Nós bebemoramos...
Beijo Grande e fica com Deus.

Anônimo disse...

E aí Sarah... que bom! Finalmente vc aprendeu a redigir uma peça!(brincadeira) hehehehe... Devo admitir que foi uma das melhores q eu já vi! Beijos e boa sorte! Você vai passar com certeza!!!
Thiago Louro

Anônimo disse...

Sarah, o problema de crônicas boas como as que você vem escrevendo é que a gente sempre quer mais. E a cronista de talento deve descobrir o ponto certo para oferecer o suficiente, sem nunca ser demais. Aliás, como a maioria das coisas na vida. Beijos. Pai